Da última vez que vi Maria
Ela já não tinha mais os olhos azuis
Tinha apenas umas pálpebras cerradas
E uma boca mole, repleta de água
Nem parecia Maria
Era um corpo magro, longo, baldio...
Para estar em teu pulso
Para marcar o teu dia
Para passar pro teu filho
Para ter medo de água
Para ter bigodes disformes
E olhos que brilham no escuro
Para apitar ao teu gosto
Para lembrar-te de tudo
Para abraçar-te seguro
Para ser reprogramado
E zerar o teu tempo em mim
Para brilhar quando um raio de sol
Para ser guardado e esquecido
Para apressar o amor
Para encerrar o teu dia
Para ser levado de ti.
Era procurar demais, dentro da minha interminável carência de ermitão. Era um desgaste a cada nova boca que eu tocava, a cada novo corpo que me chegava em madrugadas de álcool e saliva e cremes e calabouços. Era esperar que cada novo ser que me vinha trouxesse com ele as cores todas que o amor é capaz de desfolhar aos olhos dos apaixonados. E as cores me traziam aos olhos uma magia única; magia essa que só eu sentia, sem retribuições, sem reciprocidades, e eu me via só. Sozinho a caminhar numa avenida, na hora do rush. Foi então que tudo se deu: a procura sessou. Hoje é não procurar mais. Hoje é espera. Esperança de que um dia, sob alguma distante e mágica circunstância, se abra pra mim a mais doce e estonteante primavera. Sem buscar, sem marcar hora. É aguardar que toquem todos os telefones, que cheguem todas as cartas, e me chamem pra receber um navio cheio de flores que vem chegando. E só assim correrei de novo por todas as ruas, caminhos capazes de me levar, sonhador que sou, a receber meu mais novo convidado, de pé, à proa, chegando com um sorriso de aconchego, no meu deserto porto de esperas.