segunda-feira, 10 de setembro de 2012




Sem pavoneio
Sem pretensões
Sem aviso
Sem arestas
No entanto o brilho de tua mão
Reacendeu a minha pele
E desde então eu sou um correr pelos campos
Exalando as mais diversas fragrâncias
Enquanto meu peito vai
Perfumando o mundo inteiro.

quinta-feira, 23 de agosto de 2012



Parará também o tempo
quando pára o relógio da cozinha?
Todos os automóveis
Todas as lojas vendendo sempre coisas que as pessoas não precisam
pararão?
A programação da tv
o chopp no bar da rua de cima
os aviões pregados no céu
estrelas parariam de morrer?
Certo é que, cada vez
que teu olhar me acaricia a pele,
preciso trocar a pilha
do relógio da cozinha...

terça-feira, 8 de maio de 2012

Despertar




Escuridão no quarto habitado por mim. Meu reduto, meu refúgio, meu santuário, corrompido por uma presença que, só após a consciência de tê-la, percebo que sempre esteve ali. Um velho guarda-roupa separa o quarto, no qual está a cama, com velhos lençóis encardidos, e alguns outros apetrechos da sobrevivência noturna, do pequeno vão da escada que antes guardava entulhos. Eu disse antes? O fato é que não havia um antes. O tempo desde sempre era o agora. Nessa sombra mais noite que o restante do quarto, ele se escondia. Era uma espécie de objeto aos meus olhos, sentado em uma cadeira verde e vermelha de balanço, mas que me causava indescritível pavor. Gritei por socorro: “não posso dormir nesse quarto!”. Chamei por vezes pessoas para que o retirassem dali, como quem pede que matem e joguem fora uma aranha ou coisa que o valha. Com uma simples diferença: ele já estava morto. Era isso. Eu tinha um cadáver no vão da escada do meu quarto! Não posso, no entanto, lhes dar maiores descrições, pois o vi apenas uma vez, quando insistentemente uma voz me pedia para alimentá-lo. Vejam só! Alimentar um cadáver! Estava inerte há anos... milênios! Mas assim o fiz na esperança de que essa sensação angustiante passasse ou algo assim. Não fedia o ser putrefato, lembro-me bem. Mas tinha partes do corpo cobertas por uma coloração entre o cinza e o verde, como cimento e musgo. Causava-me nojo, confesso. Sua imagem espantava. Era feio... Era murcho... E tinha uma língua pra fora que era o detalhe que mais me amedrontava, mas, ainda assim coloquei-lhe na boca a pequena refeição. Um pedaço de pizza, na verdade, como chocando a distante era daquela criatura com uma fatia de agora. Soltei aos poucos em sua língua, porém nenhuma reação aconteceu. Dei de ombros por um momento e caminhei de volta em direção à cama, quando veio o baque. Vinha daquele lugar onde vivia meu monstruoso algoz da escuridão. Ele começou a se mover, o que paralisou meu corpo inteiro de espanto. O rangido da cadeira rasgava minha espinha e chegava à nuca num calafrio glacial. Pé ante pé, vagarosamente, coração aos pulos, mandíbulas travadas, cheguei novamente ao esconderijo sombrio. Já não me parecia tão escuro. Era como se meus olhos houvessem se acostumado àquele pretume todo. Conseguia ver perfeitamente seu corpo regenerado. Tinha poucos cabelos, um pouco gordo, pêlos no peito, estava nu e muito, muito suado. Chegou aos meus olhos dessa vez, para meu maior espanto, como um ser desejável. Mas tão frágil! Meu primeiro ímpeto foi o de proteção. Avancei, me ajoelhei e lhe acariciei o rosto, mãe de filho pródigo, afastando-lhe alguns fios de cabelo que lhe escorriam pela testa. Fiz menção de abraçá-lo quando ele me olhou bem nos olhos e com uma voz serena, mas perceptivelmente calculada, desferiu-me o golpe: "Detesto ser acordado!".

sexta-feira, 4 de maio de 2012




Eu a esqueci na sala
Como bolsa às pressas atirada no sofá.
Caída ao chão, alguns a pisaram.
Rasgou-se, depois de vasto sofrimento.
Sangrou
Berrou
Calou
E voltou para vingar-se.

Tentei acariciá-la, almejando um conserto,
Mas se expandiu ao meu toque.
Tentei costurar seus cortes,
Mas foi perdendo a cor.

Depois era um pedaço de couro sujo
Querendo se apossar de mim
Querendo me violentar
Querendo me asfixiar
Beijando-me, em um bote certeiro, a face inteira
Com sua enorme boca de verdades, a máscara!



Tem uma aranha morando em meu banheiro. Percebi sua presença esta manhã, enquanto escovava pesarosamente os dentes. É uma aranha esguia, porém pomposa, em seu traje de gala sempre disponível e suas grandes canelas de miss. Não me causou espanto ou admiração a princípio. Mais parecia um singelo tufinho de cabelo, um minúsculo púbis despregado do corpo a se mover por despretensiosas lambidas de vento. Escondeu-se, desconfiada de que eu desejava terrivelmente o seu mal, atrás da pia. Melhor deixá-la. Não quero desapontar eventualmente, seu belo parceiro, que a deve esperar para o baile...

segunda-feira, 23 de abril de 2012



Que entrem então os atores
fustigados por seus egos
tépidos de luxúria
Que venham!
Venham todos os homens
derrubando árvores
apagando luzes
ponham abaixo o mundo.
Me recuso
por hoje eu digo
e repito
Abaixo o mundo real!

segunda-feira, 16 de abril de 2012




Arrebate-me ou arremate-me, mas me salve dessa incessante solidão!