quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Gim


Fazia noite já. Deitada em sua cama esfregava os rubros dedos na caverna inexplorada de suas fantasias. O jorro suave de suas entranhas aos poucos se mostrava. Arrependida da noite anterior em que desprezara os sutis galanteios de seu comparsa mais bonito.
-Não vivi o que havia de viver.
Súbito silêncio depois do gemido mais grave. Sabia o que restara de toda pompa antes oferecida: um esgueirar-se entre os lençóis sujeitos a toda sorte de cores e odores de suas pernas agora já adormecidas do furor.
Levanta-se. Pega o copo com água que sempre deixara ao lado de sua cama. Num gesto quase desesperado arremessa o líquido entre as coxas. Larga o copo no chão, umedecendo o tapete com seus últimos resquícios.
-Foto na parede de um astro do rock dos anos setenta que me olha. Não fez pior no teu tempo? Morreu de tanto olhar. Olhar e não tocar. Tocar com a pele, mas nunca com os ossos.
Osso é duro. Nervo é duro. É duro permanecer insone quando a única razão de te fazer acordada a esta hora está nos braços tépidos de uma dama qualquer. Saciando sua boca e nuca e coxa nas diretrizes sem amanhã de alguém que te quer só por hoje. De alguém que te quer sem depois. Ergue as mãos. Toma entre elas aquele vestido do qual ele sempre gostou. Esfrega entre os dedos a alça fina. Veste-se. Sai de casa. Quem dera um lugar pra beber um Gim! Como gata assustada vai-se arranhando nas paredes escuras da cidade já quase adormecida. Encontra uma praça. Banco frio do sereno. Aquieta as ancas largas e felinas. Vozes distantes. De onde virá a voz dele? De onde virá a essa hora? Virá? Avista de longe um vulto cambaleante, mancha negra na indecifrável paisagem. Aproxima-se, criando forma. Ele? Ele? Qual o que! Apenas mais uma criatura noturna no sortilégio de uma noite de solidão. Faz charme, tenta uma dança de pupilas. Tenta um sorriso amarelado. Tenta vestir-se aos olhos que a despem.
-você gosta de rock?
-prefiro girassóis.
-tenho gim na minha casa.
-eu tenho uma foto do Jimmy.
-eu quero fugir para o Nepal.
-eu quero um cigarro.
-me mostra a nuca?
-tenho três estrelas.
-doeu pra fazer?
-tinha bebido demais.
-me mostra o Jimmy?
-tenho medo de estranhos.
-tenho medo de gatos. Alergia, talvez.
-eu queria saber.
-eu não sei o que eu queria.
-eu não queria mais nada.
-então vamos.
-é tarde. Os pássaros...
-eles sabem pra onde ir.
-eu também.
-vamos.
Afastaram-se no quase dia que fazia e sentiram o negro furor no peito da coincidência. Encontrar-se assim, exasperados e sem rumo, fez nascer entre as coxas dos dois o novo propósito. A vontade sem freios de descobrir uma nova cor na manhã que se aproximava. A cor dos dedos adocicados do prazer atual. Puro, individual. Sem antecedentes.

4 comentários:

  1. Eu tb recitei esse... *____*
    haja bebé viu...
    kkkkkkkk

    ResponderExcluir
  2. Caio Fernando leria você, com prazer. E aposto até que teceria elogios num artigo de jornal, se ele estivesse vivo e escrevesse para algum.

    ResponderExcluir
  3. Com certeza teceria elogios bem do tipo... "PARE DE IMITAR O QUE EU ESCREVO!!!!" RSRSRSRSRSR
    brink's
    Concordo total com a Carol!

    ResponderExcluir