quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Masmorra


Tudo muito, muito fétido ali. Motel? Qual o quê! Poderia ser mais propício chamar de masmorra ou de qualquer coisa que o valha. Ao lado, logo na entrada, um antigo ventilador de pé acompanhando, mudo, a lerda solidão do homem por trás do balcão. Lista de quartos, de preços e de tempos. O dinheiro gasto no vinho anterior não permitia muitas regalias naquele local.
-Vamos pegar esse?
-Sim...
-Tem que pagar adiantado!
-Pois não, senhor...
As olheiras marsupiais davam um tom mais compreensivo ao porquê de tal humor.
-Quanto tempo?A noite inteira?
-É... A noite inteira.
-Tá aqui a chave! Primeiro andar, fim do corredor.
Escuridão cortada em pontos não interligadas por luzes amarelas e tépidas. No caminho, uma escada espiral: o início facilitador de uma vasta encadernação. Portas enumeradas, gemidos, odores, frio no estômago, destino alcançado. Ranger... Ao acender a luz que, ainda hesitante, lhes mostrava seu primeiro cenário de amor, o susto de ser ali uma tradução de toda a curta história do casal.
Num canto quase esquecido do quarto, uma barata parecia estar em prontidão, enumerando os amantes que tiveram a coragem de entrar ali. A televisão, sem botões, impossibilitava mudar a cena de penetração que inundava o quarto de nojo e êxtase. A nódoa amarela dos lençóis demarcava o território dos anônimos. O dedo do mais novo trouxe de volta a escuridão ao quarto, cortada apenas por uma janela que parecia ter sido tirada de um antigo castelo da Transilvânia, enorme vitral de horrores, e que os trazia, ainda mais forte, esse gosto de assombração da primeira transa.
Lentamente e ainda não muito certos do que faziam, começaram a tirar as roupas e ia se mostrando aos poucos, através de todo aquele pretume, a tímida silhueta dos dois.
-Deita!
-Vem!
O cio dos corpos esfregava pêlos e peles no lençol encardido. Tudo muito rígido. A pele se arrepiando um pouco ao passar da língua, vasculhadora de prazeres escondidos. Dedos se entrelaçam. Pernas se perdem, sem rumo. Lança em brasa eriçada pelo mormaço exalado pelos dois. Força. Pernas mais e mais se tornam cúmplices. Dois corpos se transformam em parte única de tão dolorosa atuação e, depois de séculos revelados em poucos minutos, mostra-se, rendido aos aplausos da escória, esse líquido sujo e perfumado que escorre do prazer alcançado.
Os arfares dão lugar a um silêncio sepulcral. O cansaço assume forma de nojo. O amor tão palpável anteriormente se torna desejo de solidão. Solidão do outro. Solidão de si mesmo. Baque! Medo dessa solidão se eternizar. E assim nascem ali, mudos e lacrimejantes, dois bebês amaldiçoados pelo instinto de homem que há dentro deles. Pelo instinto humano da busca. Os corpos se esbarram eventualmente na cama suja por medo, talvez, da atitude do abandono. As narinas se forçam, desesperadas, tentando achar ainda resquícios do gôzo. Encontram, no entanto, já reestabelecido, o mofo do local. Se torna cada vez mais nítido o fedor da separação. E, num ato de bravura quase heróica, o mais velho encosta os lábios na pálpebra esquerda do outro, entrelaça seus dedos nos dele e quebra, pedra na vitrine, o silêncio entre os dois:
-Se incomoda se eu fumar?
-Não.
-Quer um?
-Sim.
Na fumaça, solta para o breu, quase imperceptível até aos olhos da barata, já adormecida de espanto, o desespero de terem se apaixonado um do outro a puros pêlos.

Um comentário:

  1. Li sim!!!!! vc me disse q era a descrição da tua... bom enfim... acho q não vou delatar isso aki!rsrs

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