terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Sábado


Espremeu um pouco os olhos na frente do espelho. Talvez por medo de encarar o que via, distanciou-se sem tornar a abri-los. A um canto daquele banheiro, sujo grades amontoadas de garrafas vazias. Há quantas décadas haviam sido consumidas? Que bocas de atuais cadáveres o líquido ali armazenado havia saciado? Coração aos pulos pela quantidade já ingerida, esbarrou inocentemente em uma daquelas macabras caixas. Era de muito antes de seu nascimento, acusava uma data impressa. O caminho de volta à mesa parecia ter-se alterado. Tinha contado seus passos. Trinta? Não mais que trinta passos. Mas agora era longínquo e quanto mais andava, mais parecia que a mesa se reduzia a esses tamanhos do distante. Estava só. Disso bem se lembrava. Não arranjou companhia para aquela noite de sábado, assim como havia acontecido nos últimos trinta anos. Era o que se chamava por aí de solitário convicto. Mas não por querer, não por ter escolhido isso, não. Pra ele era mais como uma espécie de maldição jogada não sabia bem por que Deus ou Diabo sobre ele. Tirou um cigarro do bolso enquanto andava. A tocha, a brasa, a cinza, o chão. Acabara com todas suas baforadas e a mesa de origem ainda lhe fugia. As pessoas ao redor pareciam congeladas no meio do tempo que, a seu ver, já era desconfortavelmente longo. Mas tudo se distanciava. As paredes cresciam um pouco mais a cada segundo. Os sons se extinguiam, as luzes cessavam e ele só enxergava aquela mesa boiando na imensidão do nada. Era como se estivesse submerso e cada passo seu movimentasse uma invisível onda que empurrasse seu objetivo para mais e mais distante. Coçou a cabeça num gesto desesperado. Outro passo. Parou um pouco. Alimentou fartamente os pulmões. Tornou a andar. Outro cigarro. Apressa o passo. Corria já quando tropeçou em algo. Foi arremessado ao chão de uma forma arrebatadora. Os olhos bastante doloridos novamente enxergaram a luz. Uma luz turva e um cheiro desegradável. À sua frente, um espelho descascado; de um lado, grades cheias de garrafas vazias e do outro o mocinho que o estava atendendo, água fria na cara, tentando reanimá-lo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário